domingo, 26 de maio de 2013

O Último Metrô

Pigalle
Tinha a menina que cortava os próprios cabelos, assim, sem espelho nem técnica, com um ar tão blasé,  como se fosse nada. Tinha o garoto que não tirava os olhos do seu vídeo-game. Tem um desses em todo lugar. O menino que tocava violão e cantava Bob Marley com uma voz suave que só e um sorriso estampado no rosto. It's love it's love it's love that I'm feeling Como um hippie transportado à Europa Central do séc XXI, de casaco de couro e calça skinny. Tinha o cara com uma daquelas bombinhas contra asma e o que olhava pensativamente pela janela.  As mulheres que contavam uma história muito engraçada em russo. Só elas riram.
Gente de todos os tipos, idades, raças, línguas, cores, humores.
A garota que anotava tudo o que via era eu.
J'ai perdu mon amour à la station Alexandre Dumas. 
Japonesas antes de chegar sonham com uma "Paris de moças e moços educados e elegantes". Depois 
vêem a sujeira, a miséria, sentem o mal cheiro e também a má educação e sofrem da chamada síndrome asiática. Os hospitais estão preparados para lidar com o choque*. Elas não sabiam que seriam sempre as mais bonitas, perfumadas e arrumadas da multidão.
Nation

*li no site Conexão Paris

domingo, 2 de dezembro de 2012

Dogma do amor

As crianças queimavam. Enquanto isso, suas mães se prostituiam.
No dia seguinte, a cidade em polvorosa. Todos prontos a condenar, com cinco pedras nas mãos.
Penso: uma casa onde sequer havia energia elétrica. Cinco bocas para alimentar. Podemos julgar? 
Eu só acho que deveríamos nos pôr um pouquinho mais no lugar dos outros. Sofrer por um destino   que não é o nosso também não adianta, mas procurar entender o próximo faz de nós pessoas melhores. E isso não digo como dogma. Aposto que viveremos melhores quando reconhecermos que não temos os mesmos limites, não reagimos sempre da maneira que é esperada e ás vezes encontramos dificuldades lá  naquelas situações que outros tiram de letra.
É difícil isso de aceitar o próximo. Não vou dizer que somos vitoriosos sempre. Mas devemos tentar. O ser humano não vive só. Nós não nos bastamos. E já que estamos juntos, fomos colocados no mundo próximos uns dos outros ou quisemos viver juntos (somos sociáveis), na minha opinião devemos sempre ajudar uns aos outros a passar pelas dificuldades impostas pela vida. Todos somos fracos e confusos e todos precisamos de ajuda. Amemos mais, perdoemos mais e tentemos compreender. O primeiro passo é aceitar que estamos envoltos em ignorância. Nós não sabemos de nada, nem sobre o que se passa com nós mesmos. Que dirá com os outros? E, por isso, nunca devemos "pagar na mesma moeda", mas agir de acordo com a nossa consciência, mesmo que para isso sejamos chamados de bobões. Acho lindo isso de amar a humanidade. Pena que nem sempre consigamos.
Mas o que seria de nós uns sem os outros?

Carta ao passado

Eu gostaria de voltar no tempo, para quando estudávamos na sala da tia Márcia (será que era ela mesmo?) e contar sobre o que eu vi hoje.

Ao rei do bullying, turma de 1997,

Ela vai ser gorda, branca e esquisita. Mas você será apaixonado por ela. Vai levá-la ao médico e segurar a sua mão. Vai fazê-la sentir-se segura. Com o seu dinheiro suado vai comprar Todynho para ela no supermercado e vai fazer mais uma porção de coisas. Por ela. Amém.
Você não vai ser nada do que imaginou, mas vai ser tolo e feliz.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Dor de corpo e alma

Desde pequena eu acreditei que qualquer tipo de dor física tinha origem na alma. Há dois anos, quando estive num Ashram nos EUA, um professor de Yoga ao saber de meu sedentarismo e de meu interesse por Jung, atentou para o fato de que há também dores de alma que tem origem física. Se não cuidarmos de nossa alimentação, não fizermos exercícios físicos etc., podemos acabar com um espírito infeliz. Agora tenho ouvido muito falar de várias fontes diferentes, de modo que tornou-se um tema recorrente, que o corpo, a mente e a alma não devem ser tomados como coisas diferentes mas como um todo indivisível. Assim, quando estamos doente, estamos doentes de corpo e alma. Dançar, fazer yoga, andar e alimentar-se bem têm sido ótimos aliados à terapia, à medicação, à oração, à acupuntura. Os tratamentos devem ser globais, como já pregava a medicina oriental.
                                                              
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Eu andava com aquela dor lancinante que parecia prenunciar algo pior que a morte -a morte que não seria algo tão ruim naquele caso. Falei para a minha amiga, que é fisioterapeuta: Isis, estou com muita dor no esterno. O que pode ser? Ela: Angústia.





segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Lygia na cabeceira

A Disciplina do Amor, de Lygia Fagundes Telles, é um livro de alguém que lutou pela vida e pelo ofício da escrita. Lutou pela vida porque se propôs a refletir sobre as grandes questões: o suicídio, a loucura, a morte, o medo. 
Me contaram dias atrás que nem todo mundo é capaz de admitir que nem sempre seguramos as rédeas de nossas vidas porque nosso próprio inconsciente nos prega peças. No entanto, isso é fundamental para quem se dedica à escrita (eu acho). E em A Disciplina do Amor, parece que entramos em contato com esse processo. Transcrevo, como por exemplo, Marrecas selvagens:

"Algumas atravessam o lago voando na superfície, tão rasteiras no seu vôo que os pés vão roçando as águas, deixando atrás de si um leve sulco que logo desaparece. Mas outras fazem a travessia no fundo do lago: submergem completamente para só ressurgirem na outra margem. Então soltam gritos, as asas pesadas de lodo, arrastando ainda nos pés restos de plantas aquáticas. Eu olhava para as marrecas que escolhiam o fundo".

Não é um romance, nem um livro de histórias curtas. É a matéria primitiva, bruta e, por isso, forte. Também não são crônicas. O tom é mais íntimo, sussurrado- por vezes gritado-, como num caderno de anotações ou diário. São as impressões e reflexões da autora sobre o que ela via, suas viagens, sua vocação, seu tempo, o viver em meio aos absurdos da modernidade (no sentido de mudança), e de nós mesmos. E encontrar em meio a mesmice e à confusão, a mola propulsora, aquilo que nos anima a viver e a ser alguém para esse mundo. Nisso, destaco A mulher de Omsk: 

"(...) a impossibilidade da comunicação através da palavra nos aproximava ainda mais. Lembrei-me da pergunta odiosa, frequente no Brasil e decerto em outros países, a natureza do homem é parecida em qualquer idioma: ' o senhor sabe com quem está falando?' Ninguém sabe, ninguém. Na Sibéria, ninguém sabe de nada, inútil tirar do bolso o cartão de deputado, as condecorações, os louros (...)"

Afinal, por trás de todas as opiniões, costumes e aparências, todos nós estamos no mesmo barco. Incertos de todos os porquês, ignorantes de nossa própria condição. Para mim, foi um prazer ler este livro. Foi como se eu tivesse um diálogo mais próximo com Lygia do que quando leio seus livros de ficção.